O Dr. Magdy e eu saímos da luz tremeluzente mas suave da floresta de palmeiras para o sol forte, passámos junto das bananeiras e das últimas cabanas, pela passadeira de orla florida, e fomos ter onde acabava a terra fértil e começa a terra morta. Onde acabavam os jardins floridos e começava a areia seca. Subimos até ao deserto para, lá em cima, visitar, na superfície infinita, as escavações das pirâmides dos antigos faraós, resgatadas da areia.
Regressámos ao fim de algumas horas. Parámos na primeira e única cabana das redondezas e saímos do carro. A cabana estava à sombra de três palmeiras particularmente bonitas. Magdy quis fotografá-las. Focou a máquina e fez clic. Tudo o resto era silêncio.
Nesse silêncio que pairava no ar, entrou, de repente, uma menina pequena. Com cabelos desgrenhados e movimentos ágeis, descalça, escura e magra, aproximou-se silenciosamente de Magdy.
— Queres fotografar as palmeiras, mas para isso tens de pagar — disse, quando se pôs à frente dele.
Olhava-o com um olhar desafiador e estendia a mão na sua direcção.
— Vai-te embora! — disse Magdy, que mediu a distância com passadas, carregou no botão e depois passou para o outro lado da estrada.
A menina esfarrapada e frágil atravessou-se-lhe no caminho.
Ele afastou-a para o lado como a um cão incómodo.
Ela seguiu-o e falava-lhe:
— As palmeiras são nossas — dizia ela, cada vez mais insistente e com a voz subindo de tom. — Se queres tirar-lhes uma fotografia, tens de pagar.
— Vai à fava! — repetiu ele.
A pequena olhou-o, furiosa, e repetiu com uma voz estridente:
— Tens de pagar. As palmeiras são nossas! São as nossas palmeiras.
Magdy, até aí excessivamente paciente, não suportou aquele tom.
— É atrevida e desavergonhada — disse, voltando-se para mim.
Com poucas palavras enxotou a criança, o que a exaltou ainda mais.
Eu não compreendia o que diziam, porque ambos usavam palavras pouco habituais e limitavam-se a lançá-las à cara um do outro. Contudo, percebi uma frase que a menina disse, porque, essa frase, disse-a devagar, palavra a palavra, cheia de desprezo e de raiva.
— Vocês são avarentos, como todos os ricos. Avarentos e maus!
Magdy tirou mais uma fotografia e nessa ficou a menina, pois tinha recuado para junto das palmeiras.
Mal se ouviu o disparo da máquina, ela recomeçou de novo, com a voz a tremer de raiva:
— São as nossas palmeiras! E eu, eu… Oh, vocês, os ricos!…
Pareceu-me que, no gaguejar selvático, também transparecia medo.
Acreditaria ainda aquela criança na antiga crença pagã de que, com a imagem, também se obtinha o domínio do objecto? Perguntei- lhe:
— Tens medo por teres ficado na fotografia?
A menina olhou-me admirada e respondeu-me calmamente:
— Não, não tenho medo nenhum.
E, sem mais uma palavra, regressou à cabana.
Segui-a, preocupada, e quis entrar, mas a menina tinha trancado a porta por dentro. Não abriu quando bati.
Magdy também se aproximou. Franziu o sobrolho quando se ouviu, saído da cabana, um fraco gemido de recém-nascido.
— Uma criança doente! — disse ele, e pediu à menina que abrisse.
Mas a porta permaneceu fechada. E nem mesmo se abriu a um segundo pedido nosso.
— E a mãe que não está junto do filho doente… — disse eu.
— Ela está no campo. Tem de trabalhar.
Em seguida, através da porta, Magdy disse à menina que era médico e que podia ajudar.
Ela não respondeu.
Ficámos parados, indecisos. Após alguns momentos, ouvimos a menina dizer para a criança:
— Vais morrer e a mãe vai bater-me porque não sei pedir esmola. Os estrangeiros têm muito dinheiro mas não nos dão nada. E as palmeiras até são nossas!