Estava no chão do recreio, no meio da sujidade. No fim do intervalo grande, Regina pegou nela. Era uma bolacha de Natal em forma de estrela, escura e com uma espessa cobertura de açúcar.
Na sala, Regina pôs a estrela na secretária, em frente da professora, a D. Mariana.
— Encontrei-a no recreio — disse.
— Alguém a deitou fora — disse Carolina.
— Está suja e já ninguém pode comê-la. — disse Francisco.
— Se alguém tivesse fome de verdade, comia-a — assegurava Regina.
— Ugh! Eu nunca iria metê-la à boca — disse Francisco.
A D. Mariana, em silêncio, ouviu as crianças durante algum tempo.
— Qual de vocês já teve fome de verdade, uma fome a sério? — perguntou por fim.
Alguns dedos levantaram-se.
— Uma vez, eu tive de ir para a cama sem jantar.
— Num passeio, no Verão, esquecemo-nos do cesto do piquenique.
— Nós fomos visitar a nossa tia Emília, mas ela não nos ofereceu nada para comer.
— E a vossa fome era tão grande que seriam capazes de comer a estrela? — perguntou a professora.
— Não, não era assim tão grande — respondeu Sandra por todos. — Se se comer uma coisa dessas, fica-se doente.
Então, a D. Mariana contou a história do pequeno Sindra Singh, que vive na Índia longínqua e que tem aproximadamente a idade dos alunos da turma B da terceira classe. Todos os dias, Sindra recebe na estação uma mão-cheia de arroz. São aproximadamente 300 grãos. Um dia Sindra contou-os. Come 150, assim que o senhor da estação lhos dá. Mete 100 grãos à boca quando o sol está alto e guarda o resto para a altura em que o sol se põe. Às vezes, faz batota e começa a comer quando o sol ainda está por cima das árvores.
— O que acham? — pergunta D. Mariana às crianças. — Acham que o Sindra Singh comeria esta estrelinha?
— Eu acho que sim — admitiu Regina.
— Mas, aqui, a bolacha estava caída no recreio, no meio da sujidade.
— O meu avô disse-me que não se deve deitar pão fora — contou Matilde. — Ele disse que aprendeu isso na Rússia, quando esteve preso depois da guerra.
— Em África, as pessoas também passam fome — disse Francisco.
— E no Brasil também. Lá, num certo sítio não choveu durante dois anos — contou Carolina.
— O meu tio escreveu da Anatólia — relatou Zeki. — Houve lá um terramoto e as pessoas já não têm quase nada para comer.
Até ali, Maria não tinha dito nada. Agora pedia para falar.
— Ontem à noite, na festa de Natal, cantámos e tocámos para os pais — disse. — Juntámos algum dinheiro. Com ele, podíamos fazer uma encomenda…
Maria hesitou e sentou-se novamente.
— Um embrulho de Natal! — exclamou Francisco.
— Depois de amanhã, parte da igreja um camião para o local do terramoto — disse Carolina. — De certeza que levava o embrulho!
As crianças estavam entusiasmadas. Escreveram no quadro tudo o que queriam meter no embrulho: chocolate e massapão, farinha, açúcar, biscoitos, conservas e, e, e…
Quando tocou para o intervalo, cada criança da turma sabia o que devia comprar nessa tarde, para se mandar a encomenda. Era o único trabalho de casa desse dia.
No fim, a D. Mariana ergueu a estrela.
— Estou enganada, meninos, ou ela está mesmo a brilhar um bocadinho? — As crianças também acharam que estava um pouco mais clara.
A professora voltou para casa relativamente cansada, mas satisfeita. À noite, o telefone tocou. Era o Sr. Mateus, o pai de Francisco, a queixar-se.
O dinheiro tinha sido reunido para a turma. O dinheiro estava pensado para papel e lápis de cor. O dinheiro era para proveito das crianças da classe B. O dinheiro não era para deitar pela janela.
A D. Mariana objectou que tinham sido as crianças a terem a ideia de, no Advento, fazerem algum bem com aquele dinheiro.
O Sr. Mateus disse que a escola não existia para isso.
— Mas, Sr. Mateus, então o Francisco não contou nada da estrela?
— Estrela? — perguntou o Sr. Mateus. — Mas que estrela?
— Bem — disse a D. Mariana um pouco desamparada — a bolacha de Natal. Quando as crianças tiveram a ideia do embrulho, de repente, ela começou a brilhar. Quero dizer…
— Quer é enfiar-me o barrete, não é? — resmungou o Sr. Mateus. — Vou tomar outras medidas. O ministro…
— Pergunte ao Francisco sobre a estrela. Ele também viu! — podia ainda ter dito a D. Mariana, mas o pai de Francisco já tinha desligado.
Na manhã seguinte, a professora foi para a escola um pouco abatida. O marido tinha-a animado, e sugerido, caso fosse preciso, que pagasse ela própria as coisas para a encomenda, mas a D. Mariana achava que não era a mesma coisa.
No recreio, Francisco veio logo a correr ao seu encontro e entregou-lhe uma carta. A professora abriu apressadamente o envelope e a nota de vinte euros que vinha lá dentro quase voava para o chão. O Sr. Mateus tinha escrito ainda algumas linhas.
Cara D. Mariana,
Falei com o meu filho Francisco. Ainda não sei se é correcto o que pensa fazer, mas tive a impressão de que ainda se via nos olhos do Francisco o brilho da estrela.
Desculpe, por favor, o meu telefonema de ontem. A minha mulher diz muitas vezes que eu sou uma pessoa impetuosa.
Desculpe, por favor, o meu telefonema de ontem. A minha mulher diz muitas vezes que eu sou uma pessoa impetuosa.
Alexandre Mateus
No dia seguinte, saiu o camião para a Anatólia com muitas encomendas. No embrulho da turma B, ia uma carta.
Feliz Natal! — estava escrito. Cada uma das vinte e seis crianças escrevera o seu nome por baixo.
— Algures, na Anatólia, uma estrela vai subir ao céu — disse a D. Mariana às crianças.